Importância dos precedentes no Projeto do novo CPC

A motivação da decisão judicial em princípios jurídicos, regras com conteúdo vago ou indeterminado e cláusulas gerais exige do juiz um modo peculiar de atuação (cf. o que escrevi neste post). Aumenta, também, a importância da jurisprudência – ainda que não sumulada, mas especialmente se sumulada – na orientação sobre o modo como a norma jurídica deve ser interpretada.

Escrevemos sobre o assunto, com mais vagar, neste livro. A norma jurídica e a súmula não se encontram num mesmo plano. Na verdade, a súmula deve se subordinar à norma. O que ocorre é que a norma jurídica, geral e abstrata, pode dar ensejo ao surgimento de duas ou mais interpretações diversas, sobre um mesmo assunto. A súmula, assim, desempenha função importantíssima, pois registra qual interpretação da norma seria a correta (ou a melhor…), que, uma vez revelada, irá instruir julgamentos posteriores sobre o mesmo tema.

Embora sumulado, o entendimento jurisprudencial pode vir a ser modificado, pois nova interpretação da lei poderá tornar-se mais vigorosa e suplantar a interpretação sumulada. O mesmo se há de dizer, a fortiori, em relação à jurisprudência considerada dominante, ou quanto a um precedente oriundo do julgamento de recurso extraordinário que veicule questão constitucional que ostente repercussão geral, ou, ainda, do julgamento de recurso especial relativo a questões de direito que se repitam em uma multiplicidade de casos (escreverei, em um dos próximos posts, a respeito do julgamento de casos repetitivos no NCPC, e do incidente de resolução de demandas repetitivas, inspirado no Musterverfahren do direito alemão; escrevi a respeito neste livro, no comentário ao art. 543-B do CPC/1973).

No NCPC, a preocupação com a uniformidade e estabilidade da jurisprudência é objeto de destaque. A respeito, dispõe o art. 882 do NCPC que os tribunais “velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”, observando-se o seguinte:

“I – sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;

II – os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;

III – a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados;

IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;

V – na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas.

§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria”.

O juiz, para não aplicar o entendimento materializado em um precedente jurisprudencial, poderá valer-se de técnicas similares às utilizadas no sistema do common law, dentre as quais destacam-se o overruling e a distinguishing. Sob esta perspectiva, passa também a ganhar relevância a distinção entre obiter dicta e ratio decidendi, habitualmente feita em sistemas de common law, mas que também deve ser considerada, entre nós, para que se compreendam, com exatidão, os elementos que devem ser levados em consideração, em um precedente jurisprudencial (tratamos desta distinção neste livro, nos comentários aos arts. 126, 285-A, 469, 479 e 543-B do CPC/1973, com notas comparativas às disposições correspondentes, no NCPC).

* O Projeto de Lei do Senado 166/2010 (Projeto do novo CPC) é por nós designado, simplesmente, como NCPC.

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2 comentários em “Importância dos precedentes no Projeto do novo CPC

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  1. Olá Professor,

    Intessante a proposta do NCPC, mas isso não impediria a mudança de jurisprudência por parte dos juízes de primeiro grau, ou seja, o entendimento só mudaram de cima para baixo, não deixando espaço para as instâncias inferiores julgarem diferente (inovar)?

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