Carência de ação e produção de efeitos similares ao da coisa julgada no projeto do novo CPC

De acordo com o art. 267, VI do CPC/1973, ausente uma das condições da ação, extingue-se o processo sem resolução do mérito. O art. 268 do CPC/1973, por sua vez, dispõe que “a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação”.
O NCPC* disciplina de modo diferente a matéria.
Escrevi a respeito, com mais vagar, neste livro, com citação de ampla doutrina e jurisprudência, sobre o assunto.
Adotando a denominada teoria da asserção – segundo a qual as condições da ação devem ser identificadas à luz do que tiver afirmado o autor, em sua petição inicial – afirma-se que o juiz somente poderia proferir sentença extinguindo o processo sem resolução do mérito por falta das condições da ação se antes da realização de atividade probatória; caso contrário, o resultado seria o julgamento de improcedência do pedido.
Entendo que é desnecessário recorrer-se à referida teoria para explicar as consequências jurídico-processuais das duas sentenças (isto é, da sentença de indeferimento por ausência de condições da ação e da de improcedência do pedido).
Se o processo tende à eliminação do litígio, é inconcebível admitir-se a prolação de uma decisão que contenha, em seu dispositivo, a afirmação “o pedido formulado pelo autor é juridicamente impossível, à luz do ordenamento jurídico brasileiro”, e uma tal decisão judicial, ainda assim, não surtisse efeitos jurídicos, em relação à solução da lide. Ora, ao dizer que “o pedido formulado pelo autor é juridicamente impossível, à luz do ordenamento jurídico brasileiro”, o juiz está afirmando algo mais grave do que diria, se simplesmente julgasse o pedido improcedente à luz das provas produzidas ao longo do procedimento.
Há, assim, que se extrair de tal sentença o devido rendimento, a fim de se impedir o ajuizamento de ação idêntica, que contenha o mesmo vício.
Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a rigor, algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença que julga improcedente o pedido. A sentença terminativa aí proferida declara que a ação sequer poderia ter sido proposta, pois ausentes os requisitos minimamente exigidos pelo sistema, para que isso ocorresse.
Dá-se, assim, efeito idêntico ao da coisa julgada material, ainda que eventualmente se afirme, na doutrina e na jurisprudência, que tal fenômeno não possa ser assim qualificado. Tal sentença, assim, a seu modo, também “resolve o litígio”.
Coerentemente com este modo de pensar, dispõe o NCPC, em seu art. 473, caput e § 1.º, que “a sentença sem resolução de mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação”, mas, “no caso de ilegitimidade ou falta de interesse processual, a propositura da nova ação depende da correção do vício”. O NCPC não considera a possibilidade jurídica como condição da ação. Se o pedido for considerado juridicamente impossível, a hipótese, no regime previsto no NCPC, será de improcedência liminar do pedido (cf. art. 307 do NCPC).

* O Projeto de Lei do novo CPC é por nós designado, simplesmente, como NCPC.

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3 comentários em “Carência de ação e produção de efeitos similares ao da coisa julgada no projeto do novo CPC

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  1. Só complementando o comentário anterior, é claro que a previsão do NCPC é melhor que a do atual, mas se a parte precisa corrigir o defeito para propor de novo a ação, mudando o pólo passivo para sanar a ilegitimidade, por exemplo, estará na verdade propondo nova ação e, assim, tanto faz o processo ter sido extinto com ou sem julgamento de mérito.

  2. Professor, considerando a discussão sobre as teorias da asserção e da comprovação no tema das condições da ação, porque o NCPC não fez opção expressa e clara por uma delas? Melhor ainda, porque não as aboliu logo do código, já que é impossível na prática separá-las do mérito, conforme importante doutrinadores sustentam (Marinoni, Didier Jr.)? Para mim, só tem sentido falar em condições da ação como algo distinto do mérito se houver uma consequência processual diferente, o que não é o caso, já que, de qualquer forma, haverá a extinção do processo, que não poderá ser reinstaurado sem a correção do defeito (ilegitimidade ou ausência de interesse). Não que a solução do CPC atual seja boa, muito pelo contrário. É que simplesmente as condições da ação não têm função nenhuma…

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