Ronald Dworkin fala sobre freedom e liberty na Universidade de Boston
Ronald Dworkin proferiu palestra na Universidade de Boston sobre seu mais recente livro, Justice for Hedgehogs (Justiça para Ouriços), publicado pela Belknap Press of Harvard University Press em janeiro de 2011. A palestra deu-se no intervalo entre a conclusão do livro e sua publicação, ocasião em que o autor expôs as principais ideias contidas na obra.
Um dos temas do livro que Dworkin destaca na palestra é sua argumentação a favor da teoria da liberdade. Na sua construção, diferencia “freedom”, que é simplesmente a habilidade da pessoa fazer qualquer coisa que deseje sem a interferência do governo, de “liberty”, que é a parte de “freedom” a qual o governo incorreria em erro caso interferisse. Desta forma, posiciona-se contra um direito geral de “freedom” e defende o direito a “liberty”.
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Para tanto, o filósofo tece três tipos de argumentos para justificar a “liberty”. O primeiro deles é que necessitamos de algumas “liberties”, particularmente liberdade de expressão, pois são elas necessárias para um justo e eficiente sistema democrático de governo. O segundo argumento é que temos o direito de independência ética, pois temos o direito de realizar escolhas fundamentais por contra própria, sem a influência do governo, tal como sobre a importância e o significado da vida; para ilustrar, destaca decisão da Suprema Corte norte americana a qual entendeu não poder o governo proibir o aborto realizado na fase inicial da gestação. O terceiro, por sua vez, também baseado na independência ética, é que temos o direito de não ter negada qualquer “freedom” quando a justificativa do governo para cerceá-la é fundamentada na popularidade ou superioridade de alguma concepção de melhor maneira para se viver.
Após essa brilhante distinção entre “freedom” e “liberty” faz-se mister, antes de mais nada, lembrar frase do filósofo austríaco Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, “Os limites da minha linguagem significam os limites do mundo”. Visto que o instrumento do qual se serviu Dworkin para realizar tal construção foram conceitos abstratos, consubstanciados justamente nestas duas palavras mencionadas, próprias de seu idioma. Na seara da especulação de infinitas probabilidades não seria possível chegar a uma certeza, mas de fato é grande a dificuldade que tal raciocínio fosse realizado em qualquer outro idioma que não fornecesse tais palavras para a criação teórica.
A fim de clarificar a conceituação de Dworkin, em nosso mundo jurídico pátrio é possível enquadrar “freedom”, mais ampla, como a autonomia privada da vontade e “liberty”, como garantias e direitos fundamentais.
Por um lado, o direito amplo e irrestrito a “freedom”, num cenário de liberalismo total das condutas, não pode ser exercido em detrimento dos interesses da coletividade, como bem traz o art. 170, da Constituição Federal, ao dispor sobre a ordem econômica: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social…”.
Por outro lado, “liberty”, encontra-se garantida por princípios, positivados ou não, que tratam dos direitos e garantias fundamentais, dentre eles no pilar constitucional que é o art. 5º .
Confira o vídeo da palestra aqui.
Confira o texto da palestra aqui.
Justice for Hedgehogs é um livro extremamente ambicioso, dentro da conhecida proposta de Dworkin de elaborar uma teoria mais geral dos valores humanitários da ética e da moralidade, do status e da integridade do valor, e do caráter e da possibilidade da verdade objetiva. Como ele mesmo deixa claro na primeira linha, é uma obra em defesa da unidade do valor.
Ao elaborar uma teoria da liberdade (liberty), Dworkin tem em mente provar que Isaiah Berlin estava errado ao afirmar que o conflito entre liberdade (liberty) e igualdade (equality) era inevitável.
Acho importante destacar que, para Dworkin, a liberdade não é um conceito criterial, mas sim um conceito interpretativo (ele até brinca: os políticos todos prometem respeitá-la, mas discordam sobre o que a liberdade é). A liberdade (liberty) é vista sob uma ótica positiva, e não negativa, no sentido de integrada a uma teoria política que inclua os elementos da dignidade (que o governo terá a igual consideração pelos cidadãos) e da responsabilidade (que as pessoas devem se importam com o valor intrínsico da vida e com o papel que desempenham dentro de uma comunidade política). A concepção normativa de liberdade dworkiana somente pode ser vista como integrada com a moral. A imagem da piscina é útil: Dworkin imagina pessoas nadando em suas raias, sendo que podem invadir a raia do outro para ajudá-lo, mas não para machucá-lo. A moralidade define a raia que separa os nadadores.
Outro ponto é o da independência ética (numa perspectiva liberal). O caso do aborto, na ótica de Dworkin, somente permite uma resposta. O direito é violado e a liberdade (liberty) negada quando o governo restringe a liberdade (freedom) para reenforçar um julgamento ético coletivo. A questão do aborto (seja por motivo frívolo ou no caso de uma jovem mãe solteira) é, por definição, um julgamento ético e não moral (envolve o próprio viver bem). Portanto, a decisão deve ser deixada à mulher, tal como sua dignidade demanda, para assumir a responsabilidade de suas próprias convicções éticas.