Brasil investe mais em educação que os Estados Unidos, onde está o problema?

A quantidade de investimento em educação no Brasil é adequada apenas em termos percentuais. Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[1] divulgado na quinta-feira passada, 25/06/2013, indica que o Brasil investe 5,6% do produto interno bruto (PIB) em educação, percentual equivalente ao da Áustria e superior ao dos Estados Unidos (5,1%).

É importante deixar claro que dados estatísticos estrangeiros não podem servir de base para definir políticas públicas nacionais, nesse caso em particular, porque os números absolutos do PIB e perfil sociocultural da população, dentre outros fatores, variam muito de um país para o outro. De qualquer forma, os dados ora apontados são um indicativo interessante.

Entretanto, por detrás do percentual do PIB investido na educação encontram-se peculiaridades relevantes para a má aplicação dos investimentos e, por consequência, da ineficácia do modelo proposto para a educação brasileira.

Uma dessas peculiaridades é o reduzido investimento brasileiro em educação primária, de US$ 2.653 por estudante, 447% inferior ao dos EUA, que é de US$ 11.859. Salienta-se que tanto a educação básica de qualidade como a precária são capazes de cumprir metas percentuais de escolaridade e alfabetização da Organização das Nações Unidas (ONU), como por exemplo a estabelecida pela Década da Alfabetização, proposta durante o Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar (2000)[2], de melhorar em 50% os níveis de alfabetização até 2015. Assim, temos uma educação primária pública produzindo resultados para “inglês ver”, ou seja, atingindo metas numéricas totalmente desvinculadas do critério qualitativo. Tanto é que o Brasil figurou em penúltimo lugar em um ranking global de educação em pesquisa realizada pela Economist Intelligence Unit (EIU), em 2012[3].

Tem-se que a maior parte dos recursos nacionais em educação é alocada na educação superior, US$ 13.137 por estudante, contra US$ 12.112 investidos pelos EUA. Porém, cumpre ressaltar que o modelo de ensino superior dos EUA tem forte base privada, a qual representa 31% dos investimentos no segmento.

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Ademais, os investimentos em educação no ensino superior no Brasil sobrepujam os investimentos em educação primária, pois o país conta com uma grande massa de diversas faixas etárias com ensino médio completo, diga-se “aos trancos e barrancos”, que precisam portar diploma de ensino superior a fim de atingir, mais uma vez, metas internacionais de formação.

Outra dessas peculiaridades é a deficiência na aplicação dos recursos destinados a cada segmento da educação. A qual é decorrente, precipuamente, do critério geralmente político de nomeação dos agentes administrativos incumbidos da gestão dos recursos educacionais, em detrimento do critério de conhecimento técnico-pedagógico, bem como pelo desvio de verbas e corrupção, seara que pela extensão do tema não cabe adentrar no presente texto.

Disso resulta um modelo educacional ineficaz que forma, mas não prepara. A situação verifica-se logo ao fim do ensino médio, quando os formados, “alfabetizados”, são capazes de pronunciar as letras que veem escritas, e pô-las novamente no papel, sem, contudo, serem capazes de interpretá-las, o chamado analfabetismo funcional, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012 com base de dados de 2011, atingia 20,4 % dos brasileiros com mais de 15 anos[4].

O resultado da referida ineficácia está presente também ao término do ensino superior, quando observa-se uma enxurrada de bacharéis no mercado de trabalho, os quais a despeito de portarem diploma não conseguem emprego na área de sua graduação. As duas principais causas desse quadro derivam, invariavelmente, do inadequação do investimento em educação. A primeira delas é a formação precária, não sendo o diploma suficiente para atestar o conhecimento no campo de formação e a habilidade para atuar enquanto profissional. A segunda é o baixo percentual de graduação em cursos mais especializados e específicos, os quais, exigem um ensino fundamental de qualidade.

Portanto, o problema está na má alocação e gestão dos recursos, na formulação de um sistema educacional mais preocupado com dados estatísticos do que com a formação do cidadão e com a demanda do mercado de trabalho. Alocar mais recursos que os EUA em educação não é motivo para orgulho, mas para preocupação, pois se o dinheiro investido não produz resultados, é dinheiro desperdiçado.

 Por Samuel Hübler


[1] OECD Indicators, Education at a Glance 2013. Disponível em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/education/education-at-a-glance-2013_eag-2013-en. Acesso em 02/07/2013.

[2] The World Education Forum (Dakar, Senegal, April 2000). http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001211/121147e.pdf. Acesso em 02/07/2013.

[3] Global Index of Cognitive Skills and Educational Attainment/Economist Intelligence Unit (EIU) (2012). Disponível em http://www.pearson.com/news/2012/november/pearson-launches-the-learning-curve.html. Acesso em 02/07/2013.

[4] Pnad/IBGE (2011). Disponível em ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_anual/2011/Sintese_Indicadores/sintese_pnad2011.pdf. Acesso em 02/07/2013.

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2 comentários em “Brasil investe mais em educação que os Estados Unidos, onde está o problema?

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  1. Eu achei interessante sua análise e devo parabenizar por abordar esse tema tão relevante.

    De fato, o Brasil gasta mais em Educação do que os EUA em valores relativos. 5,6% do nosso PIB, no entanto, significam muito menos dinheiro absoluto desembolsado por estudante brasileiro do que 5,1% do PIB dos EUA. E isso se dá basicamente por dois motivos: 1) o PIB dos EUA é o triplo do nosso; 2) a proporção de pessoas em idade escolar nos EUA é menor que a do Brasil (vide pirâmide etária).

    Não apenas isso, é difícil compreender a análise sem saber quais os fatores que entraram no quesito “educação” para a análise feita: estamos considerando apenas gasto público ou público e privado? estamos considerando os gastos com pesquisa, especialmente as não financiadas pelo governo? estamos considerando o investimento em infraestrutura voltada para educação (veja, países desenvolvidos não precisam construir escolas na proporção que países subdesenvolvidos)? etc.

    Não posso deixar de concordar que há uma má gestão dos recursos públicos na educação brasileira (como há em possivelmente qualquer área gerida pelo governo) e acredito, também, que isso seja o principal fator relevante para o que faz a educação brasileira ser ruim, tal qual é. Apesar disso, pra mim, isso não passa de uma crença. Não consegui enxergar uma relação direta de causa e efeito no texto. Não acredito que porque investimos relativamente mais que os EUA em educação podemos concluir qual “a causa” do problema da educação no Brasil.

    Pra mim, a resposta é muito mais ampla e mais apurada que isso: o que de fato leva a educação ser considerada boa ou ruim? Com que proporção cada fator contribui para o sucesso ou insucesso da educação? Como o Brasil gere cada um desses fatores em comparação com os EUA? Veja, comparar apenas valores é muito pobre: o poder de compra em cada país é diferente e valores monetários não representam a complexidade da situação; a educação de uma nação não é medida apenas em valores gastos com a educação formal, pois há aquela educação informal (em casa, por exemplo) que não tem valor monetário. Sem outros indicadores relevantes, a análise e a conclusão ficam, na minha opinião, incompletas.

    De toda forma, apreciei a reflexão. Mais uma vez, parabéns.

    1. Luiz,
      A abordagem do tema “políticas públicas de educação” jamais perderá a relevância, que ora será maior, ora menor. No presente momento, acredito que a temática “políticas públicas” demanda maior atenção – no caso, escolhi “educação”.
      De fato, “dados estatísticos estrangeiros não podem servir de base para definir políticas públicas nacionais”, como salientado no segundo parágrafo. Essa análise cega seria temerária, se não feita a ressalva, em razão dos fatores que você mesmo apontou, v.g., “que PIB dos EUA é o triplo do nosso”.
      As ponderações que você fez, a meu ver, estão corretíssimas e são imprescindíveis para se ir de encontro à resposta da pergunta lançada no título, “onde está o problema?”. Aliás, compreender como os recursos são distribuídos entre os fatores de cada segmento da educação, como por exemplo, infraestrutura e folha de pagamento, é questão de alocação que merece ser abordada por detrás dos números percentuais.
      Pela relevância e complexidade, o tema exige uma abordagem muito mais ampla que a aqui feita, em um breve texto, sem grandes pretensões senão a de por em foco o tema “políticas públicas de educação” e de abordar a ineficácia do modelo proposto para a educação brasileira.
      Vejo a relação de causa e efeito entre os fatores: má alocação de recursos (que deve ser mais detalhado), má gestão de recursos (patente, quem sabe algum dia o programa líderes cariocas ganhe amplitude nacional) , preocupação maior com metas percentuais internacionais de alfabetização e formação sem compromisso com educação de qualidade, causando um desperdício de recursos e esforços, implicando em um sistema ineficaz.
      Claro, talvez a relação não tenha sido suficientemente abordada, para chegar a uma eventual demonstração da relação de causa e efeito e, por fim, esgotar o tema e deixar estreme de dúvidas a resposta de “onde está o problema?”.
      Aliás, o confronto Brasil versus EUA funciona mais como um chamariz para o debate, do que um análise comparativa. Além disso, a proposta de “onde estrá o problema?” traz, com certeza, mais perguntas que respostas.
      Por fim, apesar de não poder definir onde está “o” problema (das políticas públicas de educação – a questão de alocação de recursos é apenas um dos elementos), posso dizer com segurança que “um” problema é o modelo adotado de “sistema educacional para cumprir metas internacionais”.
      A questão de alocação e gestão de recursos demanda um estudo aprofundado e merece ser enfrentado com mais frequência.

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