“Deixar a razão e a prudência de lado nas discussões que compõem o processo decisório constitucional, ainda que por um instante, é degradar o STF”

Valor Econômico, por Saul Tourinho

“Quando vejo certos magistrados tratarem rudemente os pares ou dirigir-lhes pilhérias, dar de ombros para os meios de defesa e sorrir complacentemente ante a enumeração das acusações, gostaria que tentassem lhe tirar sua toga, para descobrir se, estando vestidos como simples cidadãos, isso não os chamaria à dignidade natural da espécie humana”, profetizou Alexis de Tocqueville.

A passagem, do século XVIII, fala da virtude necessária a juízes ao imporem privação de liberdade a acusados: a prudência.

Uma Suprema Corte é, por concepção, uma casa de sábios, virtuosos e experientes. Ela não exala poder, mas, sim, autoridade. Poder e autoridade diferem. Hannah Arendt esclarece que, em Roma, “a função da autoridade era política e consistia em dar conselhos”. No estado constitucional, a função da autoridade é jurídica e consiste na interpretação feita pela Suprema Corte sobre o texto da Constituição.

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A autoridade romana não residia nas leis, nem a validade destas derivava de uma autoridade superior. Ela vinha do Senado, que visava manter viva a prudência. Para James Madison, a grande inovação americana foi a mudança no lócus da autoridade, passando do Senado romano para a Suprema Corte. Alexander Hamilton chegou a registrar: “A majestade da autoridade nacional deve se manifestar por meio dos tribunais”.

O STF tem por inspiração o modelo americano de jurisdição constitucional, fiada na ideia de que é preciso haver um espaço de deliberação afastado das paixões, uma arena na qual o que vale é o debate racional. Um lugar que exale autoridade.

A expedição dos mandados de prisão de alguns condenados na ação penal nº 470 (mensalão) abre espaço para que façamos um chamamento à força da razão e cobremos, do Supremo, a retomada da prudência na deliberação argumentativa travada pelos julgadores e, por via de conseqüência, um zelo maior com o seu capital fundamental que é exatamente essa autoridade da qual estou falando tanto.

Esse caso mostrou que o processo de tomada de decisão numa corte constitucional traz componentes outros que não a mera persuasão racional do juiz por meio do esforço argumentativo buscando alcançar a verdade.

Não estou falando do mérito da decisão. Pessoas que violaram as leis foram julgadas e condenadas. Assunto encerrado. Não há golpes, nem prisões políticas.

Refiro-me, aqui, às ranhuras trazidas pelo acirramento das discussões que tiraram o STF da sua atmosfera natural. Tivemos um julgamento penal no qual alguns julgadores (a minoria, frise-se), incorporaram ao processo decisório exasperação e troca de acusações. Houve bate-boca, ironias, rompantes, gritaria e certa dose de histeria. O debate, em alguns momentos, refugou a prudência, que é o leitmotiv de uma Suprema Corte.

O plenário do STF não é o plenário da Câmara dos Deputados. Nesta, admite-se o debate passional, o dedo em riste e a acusação demagógica. A Constituição, ao fixar imunidades aos parlamentares, optou por tolerar os riscos de vulgarização e desqualificação dos debates políticos, julgando ser esta opção melhor do que o silêncio atormentador à Casa do Povo. No plenário de uma casa legislativa, quanto mais gritaria há, mais a política está viva. É a concepção constitucional.

Contudo, isso não se estende ao Supremo. Quando juízes constitucionais incorporam ao processo de busca racional pela verdade, doses de paixão ou histeria, não há mais nenhuma Suprema Corte a proteger os cidadãos. Ali não é lugar de paixão, nem de dedos na cara. O que deve prevalecer é a razão e a prudência.

Isso não quer dizer que estejamos falando de senhores e senhoras de certa idade tomando chá e promovendo tertúlias acadêmicas. É claro que a afirmação de posições pode acarretar contundências. Todavia, a prudência na discussão é sempre possível e uma mostra disso é a postura do ministro Ayres Britto que, antes de se aposentar, conduziu boa parte desse importante julgamento.

Recentemente o presidente Joaquim Barbosa registrou: “Quando as instituições se degradam, é o país inteiro que se degrada”. Deixar a razão e a prudência de lado nas discussões que compõem o processo decisório constitucional, ainda que por um instante, é degradar o STF.

Fonte: Valor Econômico, por Saul Tourinho

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