Listas de fatos expressivos, em retrospectivas que pululam ao final de todos anos, são marcadamente arbitrárias. Não farei uma lista. Encerro a coluna deste ano de 2013 apenas destacando alguns pontos que, a meu ver, sinalizam o que de mais expressivo fez, ou não fez, o Supremo Tribunal Federal.
O primeiro deles reside no julgamento da Ação Penal 470. Não questiono a importância de casos como esse. No entanto, ações dessa natureza não devem ser submetidas a um tribunal que tem a pretensão de ser uma corte constitucional. O Supremo Tribunal Federal ocupou boa parte do ano no julgamento dessa ação. Algo deve ser feito com urgência, para que o Supremo Tribunal Federal venha a ser, efetivamente, algo mais próximo de uma corte constitucional. Não se trata de copiar algo parecido com o que existe em outros países. Entendo que devemos construir um modelo brasileiro de corte constitucional.[1]
Por outro lado, há muito o que melhorar, no que respeita ao julgamento de recursos extraordinários. Aqui, há graves problemas. De um lado, inexistem critérios claros que permitam entrever qual questão, à luz da jurisprudência do Supremo, tem repercussão geral. Não bastasse, o sobrestamento de recursos extraordinários, por anos e anos, cria verdadeiros impasses. Veja-se, por exemplo, a questão referente aos planos econômicos, que há anos aguarda julgamento do Supremo. Difícil precisar a quantidade de ações que estão sobrestadas, aguardando tal definição.[2] Mas é evidente que algo deve ser feito, para se resolver esse estado de coisas.[3]
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Os pontos acima, paradoxalmente, chamam menos a atenção pelo que o Supremo fez, e mais pelo que não fez, e deveria ter feito: decidir questões constitucionais.
O Supremo Tribunal Federal encerrou o ano julgando ADI em que se discute a constitucionalidade de regras que permitem a pessoas jurídicas realizar doações a partidos políticos e campanhas eleitorais (ADIn 4.650). Mais uma vez, aqui, coloca-se em questão saber-se quais os limites da atuação do Supremo, na interpretação das normas constitucionais, face as opções tomadas pelo Poder Legislativo.
A resolução desse problema não é fácil.
Considerando que os valores fundamentais da sociedade acabaram encontrando amparo na Constituição, e tendo em vista que os órgãos jurisdicionais – em especial o STF – têm por missão tornar concretas as normas constitucionais, os atos ou omissões do Legislativo e do Executivo passaram, quase que naturalmente, a se sujeitar a um maior controle por parte do Judiciário. Alçado à condição de intérprete final da Constituição, o Poder Judiciário controla, a posteriori, o ajuste dos atos realizados pelos demais Poderes à norma constitucional; a crescente (auto)afirmação do Poder Judiciário faz com que, não raro, este acabe fazendo – ou ordenando que se faça – aquilo que se esperaria que um dos outros Poderes fizesse: a interferência no âmbito de atuação dos demais Poderes, assim, é inevitável. O Poder Judiciário acaba sendo o palco em que se decidem questões que antes eram consideradas essencialmente políticas, mas que, tendo em vista o espectro de abrangência da Constituição, acabaram sendo judicializadas.
O exercício desse papel não pode ser recusado pelo Poder Judiciário (afinal, tais assuntos foram alçados ao nível de norma constitucional); o problema está em se definir o limite de tal atuação, pelos órgãos jurisdicionais. Esse limite não está claro, no texto constitucional: de um lado, afirma que os poderes são independentes e harmônicos (artigo 2.º); de outro, estabelece fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1.º) e direitos fundamentais que “têm aplicação imediata” (artigo 5.º e § 1.º); além disso, deixa clara a possibilidade de se recorrer ao Judiciário para se reparar lesão ou se impedir a ocorrência de lesão (artigo 5.º, XXXV). Vê-se, pois, que tudo depende do arranjo que se opera entre os três poderes: uma postura mais conforme à Constituição, se adotada pelos Poderes Executivo e Legislativo, tenderia a colocar o Poder Judiciário em posição menos ativa. Não é, contudo, o que demonstra a realidade brasileira, em que os órgãos jurisdicionais são frequentemente chamados a se manifestar a respeito de atitudes do Executivo ou do Legislativo ativa ou passivamente inadequadas à Constituição.
De todo modo, como o Estado deve atuar plenamente, é natural que, havendo déficit no exercício de um dos poderes, outro poder estatal acabará forçando seu ingresso nessa outra esfera – o que não equivale a fazer-lhe as vezes, já que também esta interferência forçada tende a não suprir, plenamente, a situação deficitária que a justificou.
Trata-se, a meu ver, de questão que permanece em aberto, entre nós. Mas não deixa de ser curioso que, mesmo aqui, o que está em discussão é não apenas o que o Supremo fez, se tem uma postura ativista etc., mas, também, sobre o que um dos órgãos do Estado – no caso, o Legislativo – não fez. Ao não chegar a consensos e omitir-se sobre temas relevantes, o Poder Legislativo acaba dando bons argumentos àqueles que defendem uma postura mais ativa do Poder Judiciário – e, particularmente, do Supremo Tribunal Federal.
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Na última semana, escrevi nesta coluna sobre a perspectiva – então, otimista – no sentido de que a Câmara dos Deputados votasse os destaques ao projeto de novo CPC. Isso não aconteceu, contudo: a Câmara dos Deputados adiou a análise dos destaques para o próximo ano. Aguardemos. Reitero, porém, o que disse, a respeito: É lamentável ver projeto tão importante tendo sua análise sucessivamente adiada. Mas isso diz muito sobre como atuam as Casas do Poder Legislativo, e nos conduz ao tema referido acima, sobre a atuação do Poder Judiciário face as omissões do Poder Legislativo…
[1] Escrevi a respeito em texto anterior desta coluna, disponível aqui.
[2] Cf., a respeito, reportagem publicada aqui na Conjur.
[3] Chamei a atenção para esses problemas em dois textos, publicados aqui na ConJur (Constituição Federal aqui e aqui).
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