Piadas preconceituosas constituem ato ilícito?

Sentença recentemente proferida julgou improcedente pedido formulado pela A.P.A.E. contra humorista.

Abaixo, alguns trechos da sentença:

Manifestações humorísticas que eram bastante comuns e apreciadas no passado já não mais são aceitas pela sociedade contemporânea (ou por parte dela). Vale mencionar, como ilustração, um famoso programa humorístico dos anos 70 e 80 chamado “Os Trapalhões”, da Rede Globo de Televisão. Um dos participantes (Antônio Carlos Bernardes Gomes, cuja alcunha era “Mussum”), negro, era frequentemente associado à figura de um cachaceiro e de um macaco. À época, tais insinuações eram consideradas inocentes e perfeitamente assimiláveis pela audiência.

Essas mesmas piadas, acaso repetidas nos dias atuais, certamente gerariam enorme grita, quiçá com repercussão criminal.

[…]

Vivemos num mundo aparentemente contraditório: de um lado, expandem-se formas novas formas de humor escrachado, como se percebe em programas televisivos, sites na internet ou em espetáculos de show do tipo stand up comedy”, como retratado nos autos.

Em contrapartida, é cada vez mais perceptível uma exacerbação da sensibilidade da opinião pública, avessa ao humor “chulo” (ou talvez à explicitação dessa forma de humor) ou mesmo a qualquer tipo de exploração das diferenças.

[…]

Não se quer dizer que o humor poderá servir como excludente de responsabilidade em toda e qualquer manifestação. Evidente que é possível admitir, em determinadas situações, a colisão entre princípios fundamentais da liberdade de expressão e a proteção dos direitos da personalidade.

[…]

Da mesma forma, o humor pode ser intolerável quando destinado especificamente a alguém, constrangendo-o perante o grupo de trabalho, familiar ou social. Com efeito, há casos na jurisprudência que caracterizam assédio moral no ambiente de trabalho ou bullying escolar. Ainda que, no limite, tais gozações pudessem ser enquadradas como piadas, têm uma repercussão direta na esfera de personalidade da vítima, legitimando e impondo a atuação do sistema judicial.

Há, em tais hipóteses, um destinatário específico, uma vítima a ser protegida. A liberdade de expressão é exercida de modo abusivo e, como tal, deixa de configurar excludente de responsabilidade.

Não é, no meu entedimento, o caso dos autos, sendo certo que inexiste a prática de ato ilícito pelo réu, protegido que está pela regra do artigo 187 do Código Civil. Age em exercício regular de direito (liberdade de expressão e manifestação artística).

A ótica que me parece mais adequada é prestigiar a liberdade de expressão e da atividade artística, sem qualquer juízo de valor a respeito do conteúdo e, sobretudo, da qualidade do humor praticado.

[…]. 

Em conclusão: o juiz não pode dizer se a piada é boa ou ruim, se o humor tem qualidade ou não tem.

Íntegra da sentença disponível aqui.
Fonte: Portal de Serviços e-SAJ do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Um comentário em “Piadas preconceituosas constituem ato ilícito?

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  1. Caro Professor Medina, considero piadas sobre deficientes de profundo mau gosto. Falta de boa educação, de bons princípios e de ideias mais inteligentes.

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