Conjur, por José Miguel Garcia Medina
Tenho criticado, em vários textos da coluna Processo Novo, aquilo que se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva”, prática que foi definida como a criação, pelos tribunais, de “entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.
Penso que devem ser buscadas alternativas tendentes a auxiliar os tribunais, reduzindo a excessiva carga de trabalho de seus juízes. A prática da jurisprudência defensiva, contudo, não é, nem deve ser, uma dessas saídas. Afinal, como definem seus próprios defensores, trata-se de algo que não encontra amparo na lei, ou, no mínimo, decorre de interpretação distorcida da lei, de que se faz uso com uma única finalidade: reduzir a quantidade de processos em trâmite nos tribunais.
Devemos caminhar em outro sentido, preocupando-nos não apenas com números, mas, também, com a qualidade da prestação jurisdicional. Trata-se de algo que mais se ajusta à ideia de processo justo, ou equitativo.
É digna de elogios, diante disso, a tendência oposta à jurisprudência defensiva, que procura dar rendimento a princípios processuais que, ao invés de enaltecer excessivamente a forma, operam com o intuito de realizar o direito material.
A forma não é mera técnica destituída de sentido. A forma como devem se passar os atos processuais é algo que propicia segurança a todos os sujeitos do processo. Por isso que, distorcida a função da forma processual, acaba-se caindo na jurisprudência defensiva, que simboliza nosso fracasso na tarefa de realizar as garantias mínimas do devido processo legal.
Bem compreendida a função da forma, porém, pode-se ir além, realizando e protegendo direitos fundamentais – não apenas através do processo, mas, também, no próprio processo.
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Diante disso, merece destaque decisão recentemente proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial repetitivo relacionado aos requisitos do agravo de instrumento. O julgado consolidou orientação que vinha sendo manifestada pelo tribunal, no sentido de que “apesar de a certidão de intimação da decisão agravada constituir peça obrigatória para a formação do instrumento do Agravo (artigo 525, inciso I, do CPC), sua ausência pode ser relevada desde que seja possível aferir, de modo inequívoco, a tempestividade do agravo por outro meio constante dos autos”.
A razão para assim se decidir foi a seguinte: “o exagerado processualismo deve ser evitado de forma a que o processo e seu uso sejam convenientemente conciliados e realizados”. Trata-se, em poucas palavras, de aplicação pura e simples do princípio da instrumentalidade das formas.
No projeto de novo CPC há disposição que contempla solução similar à seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o agravante deve apresentar cópia “da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade” do agravo de instrumento (cf. art. 1.030, I, do projeto de NCPC, versão da Câmara dos Deputados, correspondente ao art. 971, I, da versão do Senado do projeto).
O projeto de novo CPC, no entanto, vai além, ao dispor que “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível” (artigo 945, parágrafo único, do projeto, na versão da Câmara dos Deputados). Aprovado esse texto, o recorrente passará a ter direito à emenda do recurso, tendo em vista a previsão de uma espécie de juízo de admissibilidade “ordinatório”, em sede recursal.
O projeto de novo CPC, assim, vai ao encontro de decisões como a antes referida, que, se é verdade que não põem fim ao problema do formalismo exacerbado, dão passos importantes nesse sentido e, de certo modo, antecipam aquilo que, com a aprovação nova lei processual, poderá tornar-se uma realidade: o ocaso da jurisprudência defensiva.
Fonte: Conjur
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