Em entrevista sobre a crise da Justiça, Ministro explica a importância da participação dos assessores na atuação jurisdicional

Valor Econômico, por Adriana Aguiar

Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada há alguns meses, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho afirma que o sistema adotado pela Justiça do Trabalho “está falido”.

Expõe o Ministro que “há três tipos de juízes. Existe o juiz voluntarioso, que aumenta a quantidade de trabalho e vai tentando dar conta. E isso compromete sua saúde e sua relação com a família. O conformado, que vai levando as coisas e pensa ‘não fui eu que criei o problema, não serei eu a resolver, eu vou fazendo aqui o que eu posso’. E, com isso, a pilha de processos vai aumentando. E outros que tentam uma posição de equilíbrio e começam a delegar a atividade jurisdicional.”

Explica, ainda, o Ministro que considera os assessores “juízes de fato”: “Eu conto com os meus assessores, que fazem a minuta e eu reviso. Mas chega uma hora que eu não consigo revisar. Eu tenho que despachar aqui na presidência 200 recursos extraordinários por dia. Então, eu vejo aqueles que fogem do comum. De resto, eu acredito que o assessor está fazendo de acordo com o que eu tinha orientado. A sociedade acredita que eu que estou despachando, mas não sou eu. Eu chamo meus assessores de juízes de fato. Isso significa que nosso sistema está falido.”

A seguir, trechos da entrevista, publicada no site do Jornal Valor Econômico:

“Valor: A Justiça do Trabalho ficou sobrecarregada com a ampliação de sua competência, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 45?

Ives Gandra da Silva Martins Filho: A emenda prometeu mais do que ocorreu. Foi uma espécie de propaganda enganosa. Um dos dispositivos, o artigo 5º, inciso 78, fala da duração razoável do processo. Mas hoje temos mais de três milhões de ações por ano entrando na Justiça do Trabalho e estamos com o mesmo número de juízes. Não temos como dar conta. Antes você tinha um dique para conter esse número de processos, que era a exigência das ações trabalhistas passarem por conciliação prévia. O Supremo Tribunal Federal, porém, julgou-a inconstitucional. Hoje não há nenhum dique.

Valor: O que os juízes fazem para dar conta do volume de trabalho?

Ives Gandra: Na minha tese de doutorado, que defendi recentemente, eu digo que hoje há três tipos de juízes. Existe o juiz voluntarioso, que aumenta a quantidade de trabalho e vai tentando dar conta. E isso compromete sua saúde e sua relação com a família. O conformado, que vai levando as coisas e pensa ‘não fui eu que criei o problema, não serei eu a resolver, eu vou fazendo aqui o que eu posso’. E, com isso, a pilha de processos vai aumentando. E outros que tentam uma posição de equilíbrio e começam a delegar a atividade jurisdicional.

Valor: Como o senhor se classificaria?

Ives Gandra: Eu conto com os meus assessores, que fazem a minuta e eu reviso. Mas chega uma hora que eu não consigo revisar. Eu tenho que despachar aqui na presidência 200 recursos extraordinários por dia. Então, eu vejo aqueles que fogem do comum. De resto, eu acredito que o assessor está fazendo de acordo com o que eu tinha orientado. A sociedade acredita que eu que estou despachando, mas não sou eu. Eu chamo meus assessores de juízes de fato. Isso significa que nosso sistema está falido.

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Valor: Uma das soluções seria a criação de novos cargos para a Justiça do Trabalho?

Ives Gandra: Não. Seria a racionalização da prestação jurisdicional. As falhas no sistema são notórias. Primeiro, falta estímulos ao uso de alternativas para a solução de conflitos. Quando acabaram com a obrigação das conciliações prévias, acabaram com esse meio. Ninguém mais o procura. Segundo, limitação da autonomia negocial coletiva. O TST tem limitado com a anulação de muitas cláusulas, ampliando o conceito de direito indisponível. E terceiro, a complexidade do sistema recursal. Tinha que ser mais simples. Teremos que ter mais cedo ou mais tarde uma grande reforma.

Valor: O TST optou por aplicar o instrumento do recurso repetitivo. O senhor é favorável?

Ives Gandra: A Lei nº 13.015 optou pela escolha de um processo e a fixação de jurisprudência para determinado tema. Mas no meu modo de ver, tinha que ser mais radical. O tribunal tinha que dizer: esses daqui eu vou julgar e os outros eu não vou julgar. Mas o TST não vai ficar sobrestando, como o que está acontecendo hoje com a repercussão geral. A repercussão geral está travando os processos. No TST são quase 45 mil processos sobrestados. Eu acho que a emenda constitucional avançou com a repercussão geral, por lançar um modelo novo, desafogou o Supremo, mas não resolveu o problema do Judiciário. Tanto que nós temos, segundo Levandowski, 332 temas de repercussão geral esperando para serem julgados pelo Supremo. E o próprio Fux reconheceu que para julgar isso vai demorar uns 15 ou 20 anos.

Valor: A Emenda Constitucional nº 45 dava à Justiça do Trabalho a competência para julgar as relações de trabalho, e não somente as relações de emprego, regidas pela CLT. O que aconteceu na prática?

Ives Gandra: Na prática, ficamos frustrados. A Emenda Constitucional nº 45 dava à Justiça do Trabalho competência para julgar tudo o que fosse trabalho humano. Pela redação, nós pegaríamos a administração pública e todos os contratos que eram de prestação de serviços. Mas o Supremo interpretou o dispositivo no sentido de que uma coisa é contratual e outra é a relação estatutária. O medo do Supremo era de mudar a competência de uma hora para a outra de uma Justiça que em princípio é mais protetiva. Agora em relação a todos os outros tipos de prestação de serviços, de profissionais liberais como os advogados, defendi que a competência era nossa. Mas o TST acabou acompanhando o STJ. O TST entregou os pontos antes de o Supremo definir a matéria.

Valor: Ainda que a Justiça do Trabalho não tenha ficado com esses dois temas, tiveram outras discussões que foram agregadas à Justiça do Trabalho.

Ives Gandra: Nós tivemos três campos de ampliação de competência. Um foi a execução das contribuições previdenciárias. Num primeiro momento, imaginou-se que a Justiça do Trabalho fosse se autossustentar porque o que você arrecada praticamente se paga. Hoje eu vejo isso como uma enorme dor de cabeça para nós.

Valor: Por que?

Ives Gandra: Porque você já resolveu o conflito trabalhista e o INSS vai e recorre com o argumento de que todas as parcelas foram consideradas indenizatórias e teriam que ser consideradas salariais. Com isso, incidiria a contribuição previdenciária. Hoje, o maior recorrente é o INSS.

Valor: E com relação as questões sindicais?

Ives Gandra: As questões sindicais, por outro lado, foram positivas. Porque quem mais entende dessa matéria realmente é a Justiça do Trabalho. E um ponto em que houve ampliação foi a questão dos danos morais. Já se ensaiava na jurisprudência a competência da Justiça do Trabalho, mas ficou explícito. E tendo ficado explícito, choveu ação e realmente hoje é um tema que até assusta. Quando você tem direitos facilmente quantificáveis, é fácil você propor conciliação, acordo. Com danos morais, vale tudo. Você percebe que o empregado que pedia um R$ 1 milhão fecha um acordo por R$ 20 mil. Ele foi só para especular e depois não quer que se cobre as custa pelo valor que ele deu à causa.”

A íntegra da entrevista está disponível no site do Jornal Valor Econômico.

Fonte: Valor Econômico

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