Entrevista com José Miguel Garcia Medina sobre Prequestionamento e Repercussão Geral

Em entrevista ao jornal Carta Forense, o doutrinador José Miguel Garcia Medina, discute acerca do tema: Prequestionamento e Repercussão Geral.

Eis a entrevista:

Pode nos conceituar os sentidos das palavras prequestionamento e repercussão geral dentro do contexto processual?

Atualmente, o uso mais comum da expressão “prequestionamento” diz respeito à existência da questão constitucional ou federal-infraconstitucional na decisão proferida pelo Tribunal de origem, que deve ser uma decisão “final”, isto é, a última decisão suscetível de ser proferida na instância local. Afirma-se, assim, que, inexistindo tal prequestionamento (ou seja, não havendo exame da questão na decisão recorrida), não caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso. Em se tratando de recurso especial dirigido ao STJ, a questão federal-infraconstitucional pode ser simples. Em relação ao recurso extraordinário a ser julgado pelo STF, contudo, exige-se que a questão constitucional seja qualificada. Nesse caso, as questões devem ser “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A do CPC), isto é, devem ter repercussão geral.

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Qual o momento em que deve ser feito o prequestionamento?

Será cabível o recurso extraordinário ou especial se houver prequestionamento na decisão recorrida. Mas usa-se o termo, também, para se designar a atividade da parte que deseja ver a questão apreciada pela decisão proferida pelo tribunal de origem. Assim, afirma-se que a parte prequestionou na apelação (ou suscitou a questão no recurso), ou, ainda, que opôs embargos de declaração para prequestionar (quando a decisão proferida pelo tribunal local é omissa a respeito da questão suscitada na apelação, por exemplo). Mas o que importa, para o cabimento do recurso extraordinário o do recurso especial, é a existência da questão na decisão recorrida.

Poderia nos falar mais sobre a repercussão geral da questão constitucional e a flexibilização do prequestionamento?

Na verdade, não há flexibilização do prequestionamento, quando existe repercussão geral. Afinal, só pode haver repercussão geral se existir uma questão constitucional a ser examinada. Mas, de fato, outros aspectos formais relativos ao recurso extraordinário tem sido minimizados, diante da existência evidente de repercussão geral da questão constitucional.

Quais são os planos que operam a repercussão geral?

A repercussão geral opera em dois planos, em relação ao recurso extraordinário: de um lado, funciona como mecanismo de restrição das questões constitucionais que podem ser levadas ao STF; de outro, funciona como veículo de transposição de recurso extraordinário, já que, uma vez havendo repercussão geral, tende a jurisprudência do Supremo a abrandar a exigência de presença de outros requisitos do recurso.

O que vem a ser o preequestionamento numérico?

O prequestionamento “numérico” ocorre quando a decisão recorrida indica, claramente, o artigo da lei ou da Constituição que, no recurso (especial ou extraordinário), a parte indicará como violado. Mas a referência expressa do texto da Lei ou da Constituição na decisão recorrida não é requisito do recurso especial ou do recurso extraordinário. Mais que isso, exige-se que o tema jurídico seja examinado na decisão recorrida. Por exemplo, a indicação de um artigo do Código Civil na decisão recorrida, por si só, não é suficiente para a configuração do prequestionamento, se o tema jurídico respectivo não tiver sido enfrentado.

Como se define o conteúdo da decisão impugnada?

A expressão “causas decididas” (CF, art. 102, III; art. 105, III) deve ser entendida em seu sentido mais abrangente e a matéria impugnada – questão federal ou questão constitucional – pode consubstanciar-se em matéria processual ou de direito material. O próprio CPC, no § 3.º do art. 542, reconhece, textualmente, que cabem recursos extraordinário e especial contra decisões interlocutórias – ainda que, conforme o caso, o recurso excepcional deva ficar retido. O entendimento a respeito de que o termo causa deve ser compreendido de forma ampla foi, corretamente, sumulado: “Cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento” (Súmula 86 do STJ).

Como funciona o procedimento para ser tornar um tema de repercussão geral?

De acordo com o art. 323, caput, do Regimento Interno do STF, “quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral”. O art. 324 do Regimento Interno do STF, por sua vez, dispõe que, “recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral”. O ministro que ficar vencido quanto à discussão preliminar a respeito da repercussão geral da matéria tratada em recurso extraordinário a ele distribuído perderá a relatoria do processo, havendo nova distribuição quando o relator originário julgar que o tema não tem repercussão geral contra o voto da maioria, excluindo-se, da redistribuição, também os ministros que o acompanharam na manifestação vencida. Não havendo, no prazo, manifestações suficientes para a recusa do recurso (dois terços do plenário, nos termos do § 3.º do art. 102 da Constituição), reputa-se existente a repercussão geral (cf. § 1.º do art. 324 do RISTF), salvo se o relator tiver declarado que a matéria é infraconstitucional, “caso em que a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral” (cf. § 2.º do art. 324 do RISTF, inserido pela Emenda Regimental 31/2009). Nesta hipótese prevista no § 2.º do art. 324 do RISTF, entendemos que, a rigor, sequer se coloca a questão da presença de repercussão geral, já que, inexistindo questão constitucional, o recurso extraordinário é inadmissível. A decisão sobre a existência da repercussão geral, assim, realiza-se em plenário virtual (ou eletrônico), que pode ser acompanhado através do site que o Supremo Tribunal Federal mantém na internet. Naturalmente, incide, ao longo deste procedimento, o princípio constitucional segundo o qual todas as decisões judiciais devem ser públicas e fundamentadas (art. 93, IX, da CF). Assim, tanto a manifestação do relator (favorável ou contrária à repercussão geral) quanto a do ministro que dele divergir deverão ser fundamentadas, e tornadas públicas ao longo do procedimento, de modo a tornar conhecidas tais razões de imediato, e não apenas ao final da deliberação pelo plenário, acerca da presença (ou não) de repercussão geral (cf. § 7.º do art. 543-A do CPC). Nesse sentido, o art. 329 do Regimento Interno do STF impõe a “ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral”. Devem, portanto, ser observadas, ao longo deste, como de qualquer outro procedimento, as garantias mínimas do processo, decorrentes do princípio do devido processo legal. Não se descarta, de todo modo, a possibilidade de a repercussão geral da questão não ser objeto de discussão em plenário virtual, mas em plenário presencial.

Desde a reforma do judiciário, como o senhor vê a evolução do instituto?

Temos chamado a atenção, em vários estudos, para a situação paradoxal oriunda da exigência de demonstração de repercussão geral da questão constitucional para a admissibilidade de recurso extraordinário. O STF não mais examina, através de recurso extraordinário, questões constitucionais que não ostentem repercussão geral. O mesmo, em tese, não ocorre com o recurso especial, já que, neste caso, é irrelevante saber se a questão interessa apenas para as partes, ou se ultrapassam “os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A, § 1.º). Assim, decisões proferidas pelos tribunais regionais e dos estados, embora contrárias à Constituição Federal, podem passar em julgado, o mesmo não ocorrendo, necessariamente, se estas mesmas decisões forem contrárias à lei federal – já que, neste caso, ao menos em tese, será possível pedir a correção do erro pelo Superior Tribunal de Justiça, através de recurso especial.

fonte: Carta Forense

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